Contracapa
Cronicríticas musicais à flor da pele Nas suas mãos, leitor, Do rock ao clássico: cem crônicas afetivas sobre música oferece um raro e provocante híbrido. Com leveza de cronista e pertinácia analítica ― sem prejuízo da emoção, várias\ vezes debulhada ― Arthur Dapieve nos conduz a uma dupla viagem. A da transformação musical, através dos tempos, lugares e suportes, a partir desta esquina de séculos, tisnada pela simultaneidade. E a de sua própria jornada de autoconhecimento e fruição estética: do rock planetário e respectiva versão nativa ao genérico “músicas populares” (o rei Roberto, os latinos Jorge Drexler e Fito Páez, mais a MPB), à black music (blues, soul, jazz) e aos clássicos eruditos da maturidade. Mas o inicial ouvinte hirsuto do punk evolutivo (Lou Reed, Clash, Joy Division, Morrissey), atento aos bardos (Dylan, Neil Young) e antidivas (Joni Mitchell, Amy Winehouse), e igualmente devoto do progressivo Pink Floyd, de sua reciclagem, no Radiohead, e do multitarefas Bowie, já incubava o degustador do erudito Bach. E também de Puccini, Bruckner, Beethoven, Villa-Lobos, Handel, Mozart (numa igreja, nos píncaros de Bogotá, Colômbia), dos reflexivos teclados de Nelson Freire e Martha Argerich, dos voluntariosos russos (Horowitz, Sofronitsky), mais da coquete pianista chinesa Yuja Wang. Dapieve também fez a árdua (e literal) travessia de adversário da MPB autocompassiva a sócio de carteirinha do Clube da Esquina. E mais: ouvinte acurado das canções praieiras de Caymmi, do sublime Francis Hime (“‘Embarcação’ é um samba tão triste que a gente só atina isso quando ouve o baixo se fazendo de surdo”), do enigmático “Sinal fechado” (Paulinho da Viola), de “nosso ghost-writer de amores e protestos”, Chico Buarque (cuja canela quase fraturou numa partida de futebol), do “maior letrista brasileiro vivo”, Aldir Blanc, e até espectador tardio de Bethânia. Além de fã declarado dos iconoclastas, cada qual a seu modo, Sergio Sampaio, Fagner e Belchior. Autor de uma definitiva biografia de Renato Russo, Dapieve cunhou o rótulo BRock, que intitulou seu histórico livro sobre o gênero (BRock: o rock brasileiro dos anos 80), e comungou com seus ases. Da Plebe Rude (primeira matéria publicada) aos Paralamas (trio que viu estrear), Rappa, Capital Inicial, Titãs, Kid Abelha, RPM, Barão, Ritchie, Fausto Fawcett e Cássia Eller ― para quem escreveu o primeiro release. Premonitório, no elogio a Sou/Nós, de Marcelo Camelo, o autor elege Bolsonaro como substantivo adjetivado, ainda em 2011. Ecumênico, o segmento dedicado à música negra acolhe brancos de alta estirpe nas teclas, como o impressionista Bill Evans (em dueto com nosso carbonário Luiz Eça), Gil Evans, Brad Mehldau e uma edição dupla do “sexo explícito ao piano” de Keith Jarrett. Também o intempestivo encontro de Tony Bennett e Lady Gaga, além do fulminante e autodestrutivo baixista Jaco Pastorius. Eles convivem com os inescapáveis e geniais fundadores Robert Johnson (blues), James Brown (funk), Muddy Waters (do rock, inspirador dos Rolling Stones), Jimi Hendrix (o avatar da guitarra) e o jazz incisivo, por motivos vários, de Dexter Gordon, Albert Ayler e Kamasi Washington. Boa imersão, leitor. Tárik de Souza ARTHUR DAPIEVE nasceu no Rio de Janeiro, em 1963. Trabalhou no Jornal do Brasil e em O Globo. É comentarista no Estúdio i, da GloboNews, e no Redação Sportv, além de apresentar um programa sobre música clássica na rádio on-line do Instituto Moreira Salles. Ele também leciona jornalismo na PUC-Rio, e este é seu 11o livro. O anterior, a coletânea de contos Maracanazo e outras histórias, foi um dos ganhadores do Prêmio Oceanos 2016.